‘Coringa: Delírio a Dois’ nega seu protagonista em uma narrativa monótona

Ítalo Passos
4 min readOct 3, 2024

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Em sua busca pela execução autoral, Todd Phillips cria um filme que não consegue trilhar nenhum dos caminhos visados pelo diretor.

É curioso como Todd Phillips abandonou as ideias interessantes de suas comédias divertidas (nem todas), e seu trabalho em narrativas onde os personagens iam aos poucos se descobrindo dentro delas. Para se tornar um diretor que faz todos os esforços para ter uma linguagem autoral, fora da casinha dos filmes de heróis, mas que acaba entregando um produto esteticamente bem elaborado, mas com seu conteúdo empobrecido pela própria falta de habilidade do diretor em construir uma narrativa coesa. O diretor que aparentemente iria se arriscar em uma lógica mais séria, onde traria debates sociais pertinentes e personagens complexos, mas que no fim não alcançou o resultado desejado em Coringa (2019).

Agora Phillips quis “quebrar outra barreira” ao trazer de volta seu coringa em uma história de amor musical. Ao ter que lidar com sua dupla personalidade, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) encontra na música e na bela Lee Quinzel (Lady Gaga) uma nova motivação para conquistar sua liberdade. Dentro desse contexto, Phillips nos atualiza da atual situação do protagonista, nos coloca dentro do contexto do Asilo Arkham e inicia bem sua narrativa envolvendo a situação de Arthur e os assassinatos que o marcam. Somos apresentados à advogada de Arthur, que trará com ela toda a trama de tribunal, entendemos a relação de Arthur com os guardas e com os outros presos, nesse início ele nos apresenta os personagens dentro de um microcosmo é bem funcional.

Phillips pensa o filme em três grandes arcos, o primeiro — que na minha visão, é o que funciona melhor dentro do filme — é todo o trabalho de construção do gatilho onde Arthur questiona sua sanidade e retoma a persona de Coringa, para isso, o diretor utiliza da relação entre Arthur e Lee, onde ambos encontram na música e na insanidade, uma ligação quase mágica que os conecta de imediato.

Phillips não se mostra satisfeito e inicia sua trama de tribunal, onde ao tentar ridicularizar o sistema midiático americano, só consegue criar uma caricatura de mau gosto. Onde, buscando toda sua originalidade, trabalhando em cima da seriedade, propondo um debate social usando um lunático assassino como um símbolo irônico, que em nenhum momento passa a credibilidade de que aquilo realmente seria levado a sério, ainda mais quando o diretor resolve “chutar o balde” e colocar Arthur maquiado durante seu jurí ao achar que estava construindo um ícone social inconfiável, mas acaba transformando o personagem na própria piada.

Phillips em sua busca autoral, mata a figura do Coringa para tentar recriar um símbolo caricato, é um filme anti personagem. Devo dizer que uma das cenas mais constrangedoras que vi em uma sala de cinema neste ano foi o final desse filme. Ou seja, Phillips busca aprofundar o pensamento referente à situação de seus personagens, mas ao mesmo tempo ele quebra essa lógica para focar em uma trama “maior” envolvendo sistema judicial, criminal e midiático, e nada funciona inteiramente. O filme a todo momento está negando seu protagonista.

Em meio disso tudo, Phillips busca ainda mais e introduz mais um elemento, a música. O diretor se mostra pouco hábil, não sabe qual história contar e qual filme fazer, criando assim, um emaranhado de situações que se conectam da forma mais básica possível para tentar construir uma narrativa funcional. Phillips dirige cenas musicais sem carisma, com uma encenação preguiçosa. Desperdiçando o talento que Lady Gaga já mostrou ter em Nasce Uma Estrela (2018), onde ela concilia um drama musical de forma bem equilibrada.

Phillips investe em cenas musicais razoavelmente curtas, mas que marcam pela falta de brilho e veracidade na relação de Arthur e Lee, mas ao que era pra ser uma construção gradual, acaba sendo deixada de lado e Lee se torna apenas uma muleta de roteiro para Arthur se sentir confuso, e em busca de uma cena melancólica, Arthur vai até Lee, que misteriosamente se encontra no local exato que Arthur imaginava, que no fim acaba sendo vazia, é uma cena que não tem nada de novo a nos dizer, já que Lee apenas repete verbalmente a sua decisão, alongando ainda mais o filme e tornando tudo ainda mais desinteressante.

Nem Joaquin Phoenix, que para mim, foi o maior destaque do primeiro filme, se mostra disposto, em uma das atuações mais robóticas do ator, sem nenhum brilho, ou carisma, nas cenas musicais em diversos momentos, se mostrando pouco inspirado. Lady Gaga foi injustiçada em um projeto que buscou apenas sua imagem para alavancar o alcance do filme comercialmente, pois narrativamente é uma personagem apagada, feita para criar gatilhos e situações, sem aprofundar em seu desenvolvimento, mesmo sendo uma personagem teoricamente central.

Eu gosto da ideia de usar gatilhos para criar uma confusão emocional em Arthur, também gosto do elemento musical ser uma ligação entre os personagens, mas acaba sendo um filme repleto de boas ideias, que acabam por se perder dentro da própria superficialidade.

Nota: 1,5/5

Direção: Todd Phillips

Ano: 2024

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